segunda-feira, janeiro 22, 2007

Soneto (Dezembro de 1937)


Aceitarás o amor como eu o encaro?...

... Azul bem leve, um nimbo, suavemente

Guarda-te a imagem, como um anteparo

Contra estes móveis de banal presente.


Tudo o que há de milhor e de mais raro

Vive em teu corpo nu de adolescente,

A perna assim jogada e o braço, o claro

Olhar preso no meu, perdidamente.


Não exijas mais nada. Não desejo

Também mais nada, só te olhar, enquanto

A realidade é simples, e isto apenas.


Que grandeza... A evasão total do pejo

Que nasce das imperfeições. O encanto

Que nasce das adorações serenas.


Mário de Andrade

Guardar


Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro

Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:

Para guardá-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:

Guarde o que quer que guarda um poema:

Por guardar-se o que se quer guardar.


Antonio Cicero

terça-feira, janeiro 16, 2007


São Paulo, 09 de Dezembro de 2006.

As razões do coração

Você não precisa de alguém que te ame tanto quanto eu te amo. Na verdade, alguém que te ame simplesmente, já te basta.
Meu modo de viver o amor, de sofrer por ele, de torcer por ele, de sonhar com ele te incomoda. Meu sentimentalismo todo é metafísica para a sua razão, para a sua maneira de enfrentar a vida. Se bem que você até tem se esforçado para tentar compreender tudo o que se passa aqui entre nós. Mas falta-te algo que ainda não sei bem o que é. Não sei se esse “quê” faltante alguma vez existiu ou se matei-o aos poucos. Juro que pensei tê-lo visto dentro de você, nos seus gestos, nas suas palavras. Difícil aceitar a idéia de que enganei-me e mais difícil ainda é aceitar a idéia de que talvez muito contribui para o seu possível desaparecimento. Acho que o que te falta é tentar compreender o amor com o coração e não com a razão.
Agora consigo, depois de tanto tempo, imaginar-te sendo feliz com outra pessoa. Tendo uma família, seus filhos, suas propriedades, sua carreira. Mas ao olhar bem no seu rosto, no fundo dos seus olhos ainda sentiria falta desse “quê”. Talvez você seja feliz. Uma felicidade superficial, mascarada pela rotina dos dias e anos que terão se passado. Faltará talvez luz, brilho no seu semblante? Talvez falte espontaneidade no seu jeito de amar, de se doar. Você será feliz sim. Uma felicidade habitual, comum, ou então irá se considerar feliz, porque a tudo na vida a gente se adapta. Faz parte da natureza humana adaptar-se às situações e tentar extrair delas o que é bom.
Também consigo imaginar-me com outra pessoa. E com certeza minha felicidade seria totalmente adaptada. Amaria esse alguém por ter me dado filhos, uma família, companhia e algum tipo de compreensão, mas amor verdadeiro e devoto de toda intensidade não seria capaz de doar mais. E isso é porque não tenho mais comigo esse amor por inteiro. E não podemos doar aquilo que não temos. Tudo o que tive de amor para dar a alguém eu já me desfiz. Entreguei tudo para você. Sobraram-me o amor próprio e aquele dedicado ao próximo.
Serei feliz porque é obrigação do ser humano ser feliz. Mas amar incondicionalmente outra pessoa, nunca mais. Porém, não serei feliz como fui no passado porque, ao contrário de você, eu preciso de alguém que me ame muito. Que ame como eu amo. Sei que ninguém ama igual, mas quero sentir-me amada. Não quero ter dúvidas num relacionamento. Ultimamente estou amando por dois e isso dá um vazio enorme aqui dentro!
Se bem que o poeta já havia me avisado que: “todo grande amor só é bem grande se for triste, se sofrer” e que
“uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza. Qualquer coisa de triste , qualquer coisa que chora, que sente saudade. Um molejo de amor machucado. Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher.”
Eu me considero essa mulher. Não sou apenas bela. Tenho esse sofrimento comigo. Mas para você a beleza simples já é suficiente. O amor trivial também. E isso é fácil de se conseguir. Mas eu não. Eu quero o máximo de tudo. Extrair a essência do belo, a pureza do amor. Quero tudo que dá e passa. Quero tudo que se despe, se despede e despedaça. Utópico?! Pode ser... Mas só sei viver assim... Se mudar isso em mim não serei mais eu. Terei morrido...


São Paulo, 12 de Dezembro de 2006.

Pássaros em minha janela

Hoje pela manhã fez sol. Um tanto quanto fugaz eu diria, mas que coincidiu com a gota de alegria que senti dentro de mim. Na verdade, foi um misto de alegria com insegurança. Logo o sol se foi, formaram-se nuvens, ventava e novamente coincidiu com meus sentimentos: a alegria, a esperança se foram.
Como a vida é engraçada. Não, diria irônica. Nunca temos certeza de nada. Acho que essa é a única certeza que temos. Um dia você está no fundo do poço, outro dia mais no fundo ainda, no outro, porém, próximo do topo, mas ainda no poço.
Penso, penso, penso e tento todo dia entender o que se passa comigo, no meu coração, na minha mente. Sentimento é realmente algo muito difícil de explicar. Resolvi seguir minhas emoções, meus sentimentos. Mas como? Se nem sei o que sinto. Sei que devo deixá-los me levar...
Talvez tudo seja diferente e nada volte ao que era antes e pensando assim fico triste, porque meu saudosismo me corroe. Era feliz com a vida que tinha e as memórias me matam a cada dia.
O pior e mais irônico de tudo é que achamos que conhecemos as pessoas e veja que absurdo, não conhecemos nem a nós mesmos. Estamos em constante mudança. O que três meses não fazem com alguém, com o amor?!
Queria recomeçar aos poucos também, mas amo aquele de três meses atrás. Não sei se amarei o de hoje em diante.
Não sei se conseguirei viver com as dúvidas que tenho, com o que vejo e fecho os olhos do meu coração para que ele não perceba o que estou pressentindo.
A liberdade é uma amante sedutora, de longos cabelos negros e que nos envolve com o seu mistério mais do que o fascínio do dinheiro. O poder é seu aliado. Quando nos envolvemos com essa amante, tornamo-nos seu escravo e todos os nossos valores, sonhos, planos e promessas entregamos em suas mãos, tão sedutoras...

Ouvi durante todo esse tempo pássaros de diversas espécies, mas só de alguns acatei o canto. Muitas vezes porque era aquele que me soava bem aos ouvidos (do coração), outras porque me acalentavam as dores da alma. Mas e agora? Os pássaros não pairam mais sobre minha janela. Só dúvidas... Não pairam mais porque os repeli. E nessa manhã hesitei em aceitar suas melodias.

Paciência... Nunca imaginei que tivesse tanta... Não, não tenho... É porque amo. O dia que esse sentimento deixar de existir, ela desaparecerá igualmente.

Destino... Parece estar tão longe. Arre! Estou farta de esperar por ele. Vá pro inferno este destino e o futuro e os pássaros e toda a metafísica desse dia tão sem graça. Estou indisposta.

Preciso correr... Pra quê? Pra onde? Pra mim... Por aí... Mas, e o amor? Bom, se ele realmente existe... Ainda me conforta...

São Paulo, 19 de Dezembro de 2006.

Você já foi à feira nêga? Não?! Então vá!

Experimenta freguesa, tá docinha!
É mágico passear por entre tanta diversidade de formas, cores e aromas. Legumes, verduras, frutas e quanta gente! Toda terça-feira é igual.
Gosto da simplicidade da moça da barraca dos temperos. Milhares de cumbucas com farelos e sementes das mais variadas cores e texturas. E os nomes então... Cerefólio, anis estrelado, zimbro, bouquet garni...
Distraída sob um sol escaldante às 10h deixei-me seduzir por toda aquela poética situação. Observava o ritmo daquela manhã cuja melodia vinha das rodinhas dos carrinhos puxados apressadamente por senhoras de cabelos alvos. De longe ouvia-se a música dos feirantes: “Pode chegá freguesia. Meia dúzia é dois reals. Muié bunita num paga mais tumbém num leva...”
São poucos os lugares no mundo em que podemos desfrutar de cenários como este. É de encher os olhos de beleza e o coração de felicidade.
Se o seu problema é traição, lá afiam-se facões e afins. Se estiver sentindo-se só, lá é um ótimo lugar pra papear e adquirir sabedoria popular. Se for mulher e estiver com a estima em baixa, certamente será cortejada, mas não com flores como de costume e sim com o mel das frutas. Agora, se bater aquela fominha, vá de pastel, caldo de cana, água de coco...
A feira é um espetáculo cujo enredo é totalmente improvisado, o palco é a rua de defronte da padaria, as cortinas são os toldos das barracas, todos são atores principais e eu era a única na platéia.



São Paulo, 21 de Dezembro de 2006.

Seja rico ou seja pobre o velhinho nem sempre vem

Quando eu era pequenina, o Natal enchia meu coraçãozinho de felicidade. Era época de ver toda a família reunida, aquela enorme mesa com muitas guloseimas e além do mais eram férias de verão na casa da vovó.
Muitos consideravam esta data, para mim tão especial naquela época, triste e eu não conseguia me conformar com esta afirmativa. Afinal, só conseguia pensar nos montes de presentes debaixo da árvore de natal posta na sala do tapete branco felpudo. Confesso que várias vezes eu tateara os embrulhos na tentativa de adivinhar o que haveria em cada pacote e para quem seria destinado. Assim, poderia acalmar meu coração que ansiava em ouvir a tão esperada frase: Feliz Natal! e saia correndo para rasgar os embrulhos. Sempre queria os maiores pacotes. Nem sempre eram os melhores.
Depois íamos ceiar. E por fim, dormia feliz agarrada ao brinquedo que Papai Noel havia me dado.
Hoje, porém, estou há dias me perguntando o que o Natal significa para mim. Mas ainda não encontrei a resposta em absoluto...
(inacabado)


São Paulo, 11 de Janeiro de 2007.

Boemia como metiê

O rosto, as mãos, o cachimbo, a sacola e o cão. Ah, o cão! Iluminavam. Simplesmente impressionavam! Simplesmente?!
Era 1875. Lá estava ele de pé, estático em um lugar indefinido uma vez que o fundo era negro e suas roupas também. Chamavam-no de Marcellin Desboutin, o pintor, escritor e boêmio.
Costumava ficar horas “estetizando” com os amigos em um bar de Paris pela madrugada afora. E nesta tarde, cento e trinta e poucos anos após, ainda encontra-se lá inerte, olhar fixo, semblante inexpressivo, sombrio.
Ao seu lado, seu fiel companheiro, não menos cativante de atenção, despreocupadamente deliciava-se ao sorver a bebida posta em um singelo copo de vidro esquecido no canto do espaço imaginário. Não é possível ver, em absoluto, seu rosto, mas por ser a boemia o contexto da obra, tudo funde-se e o cão é o homem e vice-versa.
Quem dera ter a segurança de Cézanne. Segurança de saber que esteja onde estiver, mesmo com o passar dos séculos, a boemia retratada pelo artista, continuará viva nas mais simples amostras do cotidiano.
Com certeza nem Edouard Manet imaginaria que em pleno século XXI, um bom vivant faria tanto sucesso.