quarta-feira, agosto 29, 2007

Balada do Amor através das idades


























Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana, mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.


Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.


Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles, espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

(Carlos Drummond Andrade)
Engraçado como este poema me faz refletir sobre a possibilidade de que talvez seja verdade a existência de almas gêmeas... Muito embora, nem sempre permaneçam juntas em todas as encarnações, porque vários são os empecílhos que o destino trama com elas, pobres almas! Lúdico destino...
Sabe de uma coisa?! Pressinto que, nessa minha atual existência, com a minha, já desencontrei...

terça-feira, agosto 07, 2007

O CELEIRO DA PERSEVERANÇA


Querido intruso amigo, venho hoje escrever breves palavras em homenagem ao
DIA DOS PAIS.
Para tanto, irei contar uma história que, há poucos dias, ouvi de uma pessoa muito especial e fez com que eu refletisse muito a respeito de um tópico-chave na vida das pessoas: A PERSEVERANÇA.
Segundo o dicionário, perseverança deriva do verbo intransitivo perseverar, cuja origem vem do latim perseverare e significa persistir, continuar, conservar-se firme e constante. E olha que para perserverar não precisamos nem do objeto...
Pois bem, vamos à estória... Era uma vez...
...Um homem muito rico tinha um filho (único) que não interessava-se por nada na vida a não ser festas, badalações, mulheres, bebidas e bens materiais.
O pai em constantes conversas com o filho sempre aconselhava-o a dedicar-se aos estudos de modo que tivesse uma profissão no futuro. Dizia assim: - Filho, meu filho... Você precisa tomar um rumo nessa sua vida. Deveria ir em busca de uma profissão, de uma carreira. Filho, eu não serei eterno. Um dia morrerei. E você? Como vai se manter?
O filho por sua vez, dando de ombros retrucava: - Ah, meu velho! Não esquenta... Tenho meus amigos, temos dinheiro. Pra que eu vou perder tempo estudando?
E o pai preocupado insistia: - Filho, você tem amigos agora que está podendo oferecer a eles tudo o que desejam; mas o dia que não tiver mais nenhum bem material, nenhuma riqueza, verás que todos desaparecerão e ficarás solitário.
O ingênuo rapaz continuava a ignorar os conselhos do pai.
Anos se passaram... e tudo continuava como antes a não ser pela terrível doença a que o homem fora acometido: um câncer inoperável.
E pela última vez, o homem doente chama seu filho e diz: - Filho, esta doença está me consumindo, estou prestes a encerrar minha missão neste plano. Sinto-me fraco. Mas antes preciso lhe dizer algumas últimas palavras. Leve-me ao celeiro.
O rapaz, prontamente atendeu ao pedido de seu velho pai. Colocou-o numa cadeira de rodas e pra lá o levou. Chegando ao celeiro, o enfermo olhou seriamente para o semblante do boêmio e disse: - Meu rapaz, de nada adianta mais tentar convencer-te da idéia de que na vida tudo é passageiro e que você deveria empenhar-se em busca de uma profissão e do seu próprio sustento. Porque mais cedo ou mais tarde nosso tesouro irá acabar. Por isso, preste muita atenção ao que irei lhe dizer. E segurando firmemente a mão do filho continuou: - Está vendo aquela corda amarrada no celeiro? O rapaz fez um sinal positivo com a cabeça, mas não estava entendendo muito bem onde o velho queria chegar. - Muito bem, e prosseguiu, quando descobri que estava doente, construi essa forca aqui no celeiro pra você! Assim, num futuro, quem sabe não muito distante, quando você estiver sentindo-se sozinho, sem riquezas, sem amigos e sem rumo, poderá vir aqui no celeiro para enforcar-se.
O menino, assustado, achou tudo aquilo um real despropósito, mas calou-se em respeito à condição em que seu pai encontrava-se. Apenas sussurrou: - Não preocupe-se comigo papai. Estarei bem.
Poucos dias depois, o homem faleceu. E alguns anos se passaram. Profeticamente, tudo aconteceu como o pai havia dito. O filho gastara toda a riqueza da família em festas, bebidas, mulheres e presentes aos colegas. De repente, viu-se sozinho, sem dinheiro, sem noitadas e sem os "verdadeiros" amigos. Perdido, sem rumo, pensava em como arrependera-se por nunca ter dado ouvidos ao seu sábio pai. Lembrou do celeiro e de tudo o que o pai havia lhe dito naquela ocasião. Logo, não haveria outra saída a não ser usar a forca.
Foi até ela, subiu em um banco de madeira, colocou a corda no pescoço, empurrou o banquinho e...
... A forca era oca. E de súbito estava o rapaz vivo no chão. Ao seu lado um baú cheio de jóias, pedras preciosas e moedas de ouro ...

É querido intruso amigo, só o verdadeiro e incondicional amor dos pais, perseverare mesmo quando aparenta ter desistido.
Honremos nossos pais não só neste dia tão materialista que o mundo capitalista criou, mas sim, durante toda a nossa existência. Para que talvez, não seja preciso usarmos da forca do celeiro da vida. Pois nunca saberemos se haverá o baú do tesouro da segunda chance sobre nossas cabeças... Honrai nossos pais sempre...
Feliz Dia dos Pais!!

quarta-feira, julho 18, 2007

Rejeitar H0 ?!



Durante as aulas de bioestatística na faculdade sempre aprendi que, se o risco de um evento acontecer ao acaso for menor ou igual a 5% devemos rejeitar H0. Pois caso contrário, estaremos frente a 4 possibilidades: H0 ser verdadeira e rejeitá-la, H0 ser verdadeira e aceitá-la, H0 ser falsa e recusá-la ou H0 ser falsa e aceitá-la. Sendo assim, tanto a primeira quanto a última são as mais preocupantes condutas; as quais tentamos arduamente evitar.
Nunca pensei que essas aulas pudessem ser úteis pra alguma coisa, a não ser para embalar os meus cochilos durante a falação do professor pontual, detalhista e compulsivo por beber água. Mas hoje, visto a situação em que me encontro concluo que essa bioestatística toda aplica-se também a circunstâncias da vida real. Sai do papel e dos livros para perturbar minha mente com bobagens. Porém, ao analisarmos bem de perto, até que existe uma certa lógica nessa teoria toda. Rejeitar ou não rejeitar H0, eis a questão! Citarei como exemplo o relacionamento humano, mais especificamente aquele entre homem e mulher. Se rejeitar H0? Estarei fazendo o bem a mim e as outras pessoas envolvidas?

Com o passar do tempo e com as experiências adquiridas ao longo dos anos da nossa vida, ora tendo que decidir entre rejeitar ou não H0, ora sendo a própria H0, fica nítida a impressão de que o quiquadrado (X2) tende a ter valores menores. Tornamo-nos mais exigentes e muitas vezes atribuímos muita importância ao desvio padrão, rejeitando H0. Com isso, deixamos de viver momentos únicos e mesmo que possivelmente fugazes, talvez tivessem potencial de nos proporcionar ao menos alegria temporária. Outras tantas vezes, nos decepcionamos, pois o acaso estava "gritando" bem debaixo do nariz e ainda assim aceitamos a hipótese.
No entanto, para decidir qual rumo tomar, precisamos antes de mais nada, determinar quais parâmetros compõe o quiquadrado. E digo que é algo extremamente individual...
Resolvi aceitar H0. Ver no que vai dar essa epidemiologia toda... A coorte da minha vida...
Outro dia estava pensando que, só depois de muito tempo fui entender o que o poeta quis dizer com aquela parte do seu famoso soneto: "... que seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure." É meu caro intruso, o AMOR, aquele pregado pelos cineastas, não existe! Então, a partir de agora, que seja eterno enquanto dure!! Se H0 for verdadeira durará mais tempo...
Hoje, me enquadro na prateleira dos escaldados em assuntos romancistas e sigo um lema médico: Primo no nocere! Logo, tomarei cuidado para não ferir meu coração; se é que isso está ao meu alcance.
Mas, enfim, eu nunca me dei bem nessa tal epidemiologia mesmo... De qualquer modo, aceitar H0 está me soando um bom palpite. Vamos ver até quando, né Vinícius?

domingo, julho 15, 2007

De volta para o futuro...


Parque Villa Lobos, 13 de novembro de 2016, manhã de domingo. Faz tempo que não venho a esse lugar... Ultimamente a minha vida profissional tem me deixado saturado e um pouco de verde e "ar puro" não me farão mal.
Às vezes penso que dediquei-me demasiadamente à minha carreira. Agora, com 36 anos estou totalmente realizado, muito bem sucedido, tenho uma vida estável, viajo pra todo canto do mundo; mas sempre só...
...O dia está tão lindo, céu azul, sem nenhuma nuvem, clima ameno, embora seja verão. A molecada jogando um futebas do jeito que eu gostava de fazer quando era pequeno. Quanta criança brincando no tapete verde de grama!!
Paro por um instante para apreciar uma cena que há muito tempo não via: uma família reunida. Algo me remete ao passado, numa época em que um sonho fazia parte de mim: o de ter uma família como a que estava diante dos meus olhos.
Vejo uma mulher sentada na grama, jovial, talvez tenha a minha idade, cabelos presos, óculos escuros, elegante mas descontraída, sorriso encantador. Simplesmente linda!
Vejo um garotinho todo serelepe, deve ter uns 5 anos, esperto, chutou a bola e caiu, ainda descoordenado. Arrancou, ingenuamente, uma flor do jardim ali ao lado e entregou-a àquela mulher. Que sorriso!!!
Vejo um homem, mais velho, mais maduro, sentado numa esteira colorida, distraído com a leitura de uma revista que desconheço. De tempos em tempos olhava por cima dos óculos escuros e sorria, gargalhava com as peraltices do filho. Fiquei ali estático observando aquele quadro, quando de repente: Papai! A bola!! - gritou o rapazinho.
O homem levantou-se e foi correndo com o menino buscá-la. Vinham em minha direção. Tentei disfarçar, mas o pai percebendo que eu estivera ali fitando a cena, entregando a bola ao filho que voltou correndo e abraçou a mulher, disse-me: - Você viu que família linda eu tenho? Cara, essa mulher foi um tesouro que Deus colocou na minha vida. Não existe nada nesse mundo, nem dinheiro algum que pague todo o amor que tenho por ela. E de pensar, meu amigo, que essa mulher já foi muito machucada por amor... Você acredita?! O grande amor da vida dela a deixou há uns 10 anos... Ele escolheu a profissão. Sabe como é, né? "O dinheiro é uma amante sedutora de longos cabelos negros, nos deixa cegos" (como ela mesma costuma dizer). Eu sei que ela nunca vai me amar como o amou mas é por isso que todo dia me empenho em ser o melhor pai, o melhor marido, amigo e amante. Porque sei que mulher como ela só existe uma a cada mil reencarnações e se algum dia ela me amar 1% do que o amou, saberei que a minha missão foi cumprida e sentirei-me, como hoje, O HOMEM MAIS FELIZ DO MUNDO.
Os olhos dele estavam marejados e as palavras saíam de sua boca com tanta ternura e sinceridade que me emocionei.
A mulher que continuava rindo com as travessuras da criança, de repente parou e ficou olhando o marido conversar comigo. Olhava como se me reconhecesse, ficou séria, olhar distante...

O pai me perguntou: Como é seu nome, rapaz? Cadê sua esposa? Sua família? Eu estava perplexo olhando pra ela...
A mulher estava levantando-se pra vir de encontro ao marido quando meu celular tocou... Me desculpei, disse que me chamavam no trabalho, precisava ir... Estava me despedindo quando de longe ouvi a mulher dizer: - Pedro, filho, cuidado com a bicicleta... O domingo era deles!!


segunda-feira, julho 02, 2007

XXVI Primavera




Enfim, mais uma primavera! Hoje estou assim: feliz por um lado e angustiada por outro. Feliz porque é sempre bom sentir que temos pessoas queridas ao nosso redor, que desejam-nos bons fluidos, boas vibrações e transmitem energia positiva, principalmente em data tão especial. Especial?! Talvez sim, mas a angústia me impele a hesitar. E a hesitação se deve ao fato de pensar que realmente não temos TOTAL controle sobre nossas vidas, sobre nossos atos e desejos. O livre-arbítrio não usufrue de toda essa autonomia que supomos.






É comum acharmos que a nossa locomotiva segue nos trilhos que projetamos mas, subitamente e de forma lúdica, ela desvia, dicotomiza, bifurca, passa por túneis, transpõe montanhas, desembarca passageiros, transporta outros tantos por longos períodos e carreia tesouros de experiências e emoções. No entanto, talvez esteja aí a graça da trajetória: surpreendente, inusitada e misteriosa sina... Porém, muitas vezes dá uma vontade enorme de saltar pela janela da vida e ficar assistindo do cerrado o trem trilhar seu curso. Ora sou maquinista, ora passageiro, às vezes sou o vagão e todo o resto. Sei onde vou chegar, e lá está a rota tortuosa novamente. Mas uma luzinha no final do túnel reaparece e o dia fica azul, sem nuvens, florido, feliz!


O dia do nascimento faz essas coisas com a gente, entorpece a alma, baratina o espírito. Talvez seja mais um ciclo se concluindo, mais uma fase da vida recomeçando, ou talvez apenas falta do que fazer... rss...
Seja lá o que for, inúmeros são os motivos que tenho para agradecer por mais uma PRIMAVERA, pelas flores que recebi da vida, mesmo que algumas tenham sido secas e caído dos mais altos galhos, mesmo que tenham feito outono no meu coração, mesmo assim: eram flores.




Porém, a partir de agora, quero apenas as coloridas e perfumadas! E espero ter sabedoria suficiente para saber cultivá-las e colher seu desabrochar a cada nova estação.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Soneto (Dezembro de 1937)


Aceitarás o amor como eu o encaro?...

... Azul bem leve, um nimbo, suavemente

Guarda-te a imagem, como um anteparo

Contra estes móveis de banal presente.


Tudo o que há de milhor e de mais raro

Vive em teu corpo nu de adolescente,

A perna assim jogada e o braço, o claro

Olhar preso no meu, perdidamente.


Não exijas mais nada. Não desejo

Também mais nada, só te olhar, enquanto

A realidade é simples, e isto apenas.


Que grandeza... A evasão total do pejo

Que nasce das imperfeições. O encanto

Que nasce das adorações serenas.


Mário de Andrade

Guardar


Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro

Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:

Para guardá-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:

Guarde o que quer que guarda um poema:

Por guardar-se o que se quer guardar.


Antonio Cicero

terça-feira, janeiro 16, 2007


São Paulo, 09 de Dezembro de 2006.

As razões do coração

Você não precisa de alguém que te ame tanto quanto eu te amo. Na verdade, alguém que te ame simplesmente, já te basta.
Meu modo de viver o amor, de sofrer por ele, de torcer por ele, de sonhar com ele te incomoda. Meu sentimentalismo todo é metafísica para a sua razão, para a sua maneira de enfrentar a vida. Se bem que você até tem se esforçado para tentar compreender tudo o que se passa aqui entre nós. Mas falta-te algo que ainda não sei bem o que é. Não sei se esse “quê” faltante alguma vez existiu ou se matei-o aos poucos. Juro que pensei tê-lo visto dentro de você, nos seus gestos, nas suas palavras. Difícil aceitar a idéia de que enganei-me e mais difícil ainda é aceitar a idéia de que talvez muito contribui para o seu possível desaparecimento. Acho que o que te falta é tentar compreender o amor com o coração e não com a razão.
Agora consigo, depois de tanto tempo, imaginar-te sendo feliz com outra pessoa. Tendo uma família, seus filhos, suas propriedades, sua carreira. Mas ao olhar bem no seu rosto, no fundo dos seus olhos ainda sentiria falta desse “quê”. Talvez você seja feliz. Uma felicidade superficial, mascarada pela rotina dos dias e anos que terão se passado. Faltará talvez luz, brilho no seu semblante? Talvez falte espontaneidade no seu jeito de amar, de se doar. Você será feliz sim. Uma felicidade habitual, comum, ou então irá se considerar feliz, porque a tudo na vida a gente se adapta. Faz parte da natureza humana adaptar-se às situações e tentar extrair delas o que é bom.
Também consigo imaginar-me com outra pessoa. E com certeza minha felicidade seria totalmente adaptada. Amaria esse alguém por ter me dado filhos, uma família, companhia e algum tipo de compreensão, mas amor verdadeiro e devoto de toda intensidade não seria capaz de doar mais. E isso é porque não tenho mais comigo esse amor por inteiro. E não podemos doar aquilo que não temos. Tudo o que tive de amor para dar a alguém eu já me desfiz. Entreguei tudo para você. Sobraram-me o amor próprio e aquele dedicado ao próximo.
Serei feliz porque é obrigação do ser humano ser feliz. Mas amar incondicionalmente outra pessoa, nunca mais. Porém, não serei feliz como fui no passado porque, ao contrário de você, eu preciso de alguém que me ame muito. Que ame como eu amo. Sei que ninguém ama igual, mas quero sentir-me amada. Não quero ter dúvidas num relacionamento. Ultimamente estou amando por dois e isso dá um vazio enorme aqui dentro!
Se bem que o poeta já havia me avisado que: “todo grande amor só é bem grande se for triste, se sofrer” e que
“uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza. Qualquer coisa de triste , qualquer coisa que chora, que sente saudade. Um molejo de amor machucado. Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher.”
Eu me considero essa mulher. Não sou apenas bela. Tenho esse sofrimento comigo. Mas para você a beleza simples já é suficiente. O amor trivial também. E isso é fácil de se conseguir. Mas eu não. Eu quero o máximo de tudo. Extrair a essência do belo, a pureza do amor. Quero tudo que dá e passa. Quero tudo que se despe, se despede e despedaça. Utópico?! Pode ser... Mas só sei viver assim... Se mudar isso em mim não serei mais eu. Terei morrido...


São Paulo, 12 de Dezembro de 2006.

Pássaros em minha janela

Hoje pela manhã fez sol. Um tanto quanto fugaz eu diria, mas que coincidiu com a gota de alegria que senti dentro de mim. Na verdade, foi um misto de alegria com insegurança. Logo o sol se foi, formaram-se nuvens, ventava e novamente coincidiu com meus sentimentos: a alegria, a esperança se foram.
Como a vida é engraçada. Não, diria irônica. Nunca temos certeza de nada. Acho que essa é a única certeza que temos. Um dia você está no fundo do poço, outro dia mais no fundo ainda, no outro, porém, próximo do topo, mas ainda no poço.
Penso, penso, penso e tento todo dia entender o que se passa comigo, no meu coração, na minha mente. Sentimento é realmente algo muito difícil de explicar. Resolvi seguir minhas emoções, meus sentimentos. Mas como? Se nem sei o que sinto. Sei que devo deixá-los me levar...
Talvez tudo seja diferente e nada volte ao que era antes e pensando assim fico triste, porque meu saudosismo me corroe. Era feliz com a vida que tinha e as memórias me matam a cada dia.
O pior e mais irônico de tudo é que achamos que conhecemos as pessoas e veja que absurdo, não conhecemos nem a nós mesmos. Estamos em constante mudança. O que três meses não fazem com alguém, com o amor?!
Queria recomeçar aos poucos também, mas amo aquele de três meses atrás. Não sei se amarei o de hoje em diante.
Não sei se conseguirei viver com as dúvidas que tenho, com o que vejo e fecho os olhos do meu coração para que ele não perceba o que estou pressentindo.
A liberdade é uma amante sedutora, de longos cabelos negros e que nos envolve com o seu mistério mais do que o fascínio do dinheiro. O poder é seu aliado. Quando nos envolvemos com essa amante, tornamo-nos seu escravo e todos os nossos valores, sonhos, planos e promessas entregamos em suas mãos, tão sedutoras...

Ouvi durante todo esse tempo pássaros de diversas espécies, mas só de alguns acatei o canto. Muitas vezes porque era aquele que me soava bem aos ouvidos (do coração), outras porque me acalentavam as dores da alma. Mas e agora? Os pássaros não pairam mais sobre minha janela. Só dúvidas... Não pairam mais porque os repeli. E nessa manhã hesitei em aceitar suas melodias.

Paciência... Nunca imaginei que tivesse tanta... Não, não tenho... É porque amo. O dia que esse sentimento deixar de existir, ela desaparecerá igualmente.

Destino... Parece estar tão longe. Arre! Estou farta de esperar por ele. Vá pro inferno este destino e o futuro e os pássaros e toda a metafísica desse dia tão sem graça. Estou indisposta.

Preciso correr... Pra quê? Pra onde? Pra mim... Por aí... Mas, e o amor? Bom, se ele realmente existe... Ainda me conforta...

São Paulo, 19 de Dezembro de 2006.

Você já foi à feira nêga? Não?! Então vá!

Experimenta freguesa, tá docinha!
É mágico passear por entre tanta diversidade de formas, cores e aromas. Legumes, verduras, frutas e quanta gente! Toda terça-feira é igual.
Gosto da simplicidade da moça da barraca dos temperos. Milhares de cumbucas com farelos e sementes das mais variadas cores e texturas. E os nomes então... Cerefólio, anis estrelado, zimbro, bouquet garni...
Distraída sob um sol escaldante às 10h deixei-me seduzir por toda aquela poética situação. Observava o ritmo daquela manhã cuja melodia vinha das rodinhas dos carrinhos puxados apressadamente por senhoras de cabelos alvos. De longe ouvia-se a música dos feirantes: “Pode chegá freguesia. Meia dúzia é dois reals. Muié bunita num paga mais tumbém num leva...”
São poucos os lugares no mundo em que podemos desfrutar de cenários como este. É de encher os olhos de beleza e o coração de felicidade.
Se o seu problema é traição, lá afiam-se facões e afins. Se estiver sentindo-se só, lá é um ótimo lugar pra papear e adquirir sabedoria popular. Se for mulher e estiver com a estima em baixa, certamente será cortejada, mas não com flores como de costume e sim com o mel das frutas. Agora, se bater aquela fominha, vá de pastel, caldo de cana, água de coco...
A feira é um espetáculo cujo enredo é totalmente improvisado, o palco é a rua de defronte da padaria, as cortinas são os toldos das barracas, todos são atores principais e eu era a única na platéia.



São Paulo, 21 de Dezembro de 2006.

Seja rico ou seja pobre o velhinho nem sempre vem

Quando eu era pequenina, o Natal enchia meu coraçãozinho de felicidade. Era época de ver toda a família reunida, aquela enorme mesa com muitas guloseimas e além do mais eram férias de verão na casa da vovó.
Muitos consideravam esta data, para mim tão especial naquela época, triste e eu não conseguia me conformar com esta afirmativa. Afinal, só conseguia pensar nos montes de presentes debaixo da árvore de natal posta na sala do tapete branco felpudo. Confesso que várias vezes eu tateara os embrulhos na tentativa de adivinhar o que haveria em cada pacote e para quem seria destinado. Assim, poderia acalmar meu coração que ansiava em ouvir a tão esperada frase: Feliz Natal! e saia correndo para rasgar os embrulhos. Sempre queria os maiores pacotes. Nem sempre eram os melhores.
Depois íamos ceiar. E por fim, dormia feliz agarrada ao brinquedo que Papai Noel havia me dado.
Hoje, porém, estou há dias me perguntando o que o Natal significa para mim. Mas ainda não encontrei a resposta em absoluto...
(inacabado)


São Paulo, 11 de Janeiro de 2007.

Boemia como metiê

O rosto, as mãos, o cachimbo, a sacola e o cão. Ah, o cão! Iluminavam. Simplesmente impressionavam! Simplesmente?!
Era 1875. Lá estava ele de pé, estático em um lugar indefinido uma vez que o fundo era negro e suas roupas também. Chamavam-no de Marcellin Desboutin, o pintor, escritor e boêmio.
Costumava ficar horas “estetizando” com os amigos em um bar de Paris pela madrugada afora. E nesta tarde, cento e trinta e poucos anos após, ainda encontra-se lá inerte, olhar fixo, semblante inexpressivo, sombrio.
Ao seu lado, seu fiel companheiro, não menos cativante de atenção, despreocupadamente deliciava-se ao sorver a bebida posta em um singelo copo de vidro esquecido no canto do espaço imaginário. Não é possível ver, em absoluto, seu rosto, mas por ser a boemia o contexto da obra, tudo funde-se e o cão é o homem e vice-versa.
Quem dera ter a segurança de Cézanne. Segurança de saber que esteja onde estiver, mesmo com o passar dos séculos, a boemia retratada pelo artista, continuará viva nas mais simples amostras do cotidiano.
Com certeza nem Edouard Manet imaginaria que em pleno século XXI, um bom vivant faria tanto sucesso.